Entrevista com Dexter
do Offspring - Revista Show Bizz (Abril 99)
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Vocês acabaram de fazer uma turnê triunfal pela Europa. Onde
foi mais emocionante tocar?
Adoramos a Europa Oriental. Polônia, Praga (na República
Tcheca), nesses lugares a platéia realmente alucina. Só
perde para o pessoal da América do Sul. Nunca vi nada igual ao
que a molecada faz aí (o Offspring fez grandes shows no Brasil
em 1997). Sério, não estou dizendo isso porque a entrevista
é para uma revista brasileira. Nós realmente adoramos tocar
para um público ensandecido e vamos voltar este ano.
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Quando?
Acho que em setembro, por aí. Nós vamos parar a excursão
agora e recomeçaremos depois. Primeiro mais shows pelos Estados
Unidos, depois Austrália. Com certeza baixamos aí de novo.
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Como está a turnê pelos Estados Unidos?
Fizemos agora (fim de março) dois shows com o Everlast (rapper
branco, ex- House of Pain). Não ele não cantou com a gente
em "Pretty Fly". A gente nem se falou (risos). Mas estamos viajando
direto com uma banda da Austrália, The Living End.
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Como foi tocar "Pretty Fly (For A White Guy)" ao vivo com Vanilla
Ice, num show em Los Angeles? Muito divertido. Vanilla é um cara
tranqüilo, não vestiu a carapuça da letra e também
não se leva a sério seu passado. Topou na hora o nosso convite.
Entrou cantando "ice, ice, baby" bem no meio da música.
O novo CD dele é bem diferente, sombrio até. Você
não vai acreditar quando ouvir.
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O que você acha de "Pretty Fly" ser a música mais
pirateada na Internet?
Como você sabe disso?
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Sai na Rolling Stone.
Não sei como é possível medir esse tipo de dado.
Mas é legal.
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Você não acha que isso pode estar prejudicando as vendas
dos discos do Offspring?
Pode até estar, mas me sinto feliz porque as pessoas estão
interessadas na nossa música. Ah, quer saber? Eu acho ótimo.
Já vendemos muito, mais do que esperávamos, e não
seria eu quem iria exercitar a ganância nesse negócio.
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Você disse, na época de Ixnay on the Hombre (1997), que o
Offspring preferia não aparecer muito na TV, recusando convites
para não se expor muito. Você acha que existe algo como "sucesso
em excesso"? Que nível seria esse?
(Risos) Aquele em que estamos agora. Já vendemos discos demais.
Aliás, eu gostaria de fazer um apelo: por favor, não comprem
mais os nossos discos. Vamos parar com isso já! Não queremos
vender mais . Quem comprou a pouco tempo ainda pode trocar... (risos)
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Sério. Você estão ficando cada vez mais conhecidos...
Sim, estamos aparecendo muito mais na televisão, até num
filme estamos (Idle Hands). Participamos de alguns talk shows, vimos que
as coisas podem ser feitas sem que a gente perca o controle e pague mico...
Fazer sucesso não tira pedaço de ninguém. Tenho certeza
de que a maioria das bandas gostaria de estar onde estamos. Difícil
é tocar para trinta pessoas durante anos e anos, como nós
fizemos.
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Vocês aparecem em programas trash, como os de Jerry Springer (o
Ratinho de lá) e Ricki Lake (atriz gordinha que comanda um show
de baixarias), que influenciaram as letras de Americana?
Ricki nos convidou para seu programa.
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E vocês toparam?
Não. Mas eu acho que aceitaria ir no Jerry Springer. É um
programa detestável, só que eu indesculpavelmente assisto
de vez em quando. Poderia ser divertido. Aliás, está passando
agora, a TV aqui está ligada sem som.
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Em 1994, o Offspring vendeu milhões e tocou pelo mundo inteiro
sem jamais mencionar as tais "pressões do sucesso", conflitos
de consciência ou culpa. Não foi assim com o Nirvana nem
com o Pearl Jam...
Ah, mas você não pode nos comparar com eles (sem ironia).
Esses caras são mitos. Não podemos ter vendido todos esses
milhões, mas o que foi consumido foi apenas nosso disco, nossa
música. Nesses casos e em outros semelhantes, a imagem dos caras,
a personalidade deles, tudo foi engolido e vendido. Não foi o mesmo
processo, para nós foi muito mais fácil. Voltamos para casa
e fizemos o Ixnay on the hombre...
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Quando vocês estavam gravando Americana, com canções
de apelo popular, como "Pretty Fly" e "Why dont you get
a job?", sentiram que poderiam voltar a estourar nas proporções
anteriores?
(Risos) Acho que ninguém imaginava que fosse acontecer de novo.
Mas, claro, entramos em estúdio decidimos a gravar as melhores
canções que tínhamos, da melhor forma, sem deixar
de criar. A coisa precisa ter graça para nós, antes de qualquer
coisa.
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Você tem sido apontado como um bom compositor pop. Como integrante
de um grupo sempre ligado ao punk rock, considera isso um elogio ou um...
(Interrompendo) Um insulto! (risos) Não, não. Estou brincando.
Qualquer pessoa gosta de ouvir coisas assim. Mas a palavra pop ainda hoje
tem uma carga negativa. Ela foi usada para diminuir o trabalho dos Beatles
nos anos 60 e hoje, pelo menos nos EUA, é associada a grupos como
NSync.
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"Why dont you get a job?" rendeu comparações com
os Beatles, por causa de sua semelhança melódica com "Ob-la-di,
Ob-la-da"...
Isso é legal, mas é um aspecto da música. A gente
usou vários elementos, steel drums (aqueles latões usados
na música de Trinidad Tobago e de outras ilhas do Caribe), flauta,
metais, bateria eletrônica...
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Por falar nisso, foi mandado para as rádios americanas voltadas
para a música negra um remix rythm & blues de "Pretty
Fly". Ele fez sucesso?
Para dizer a verdade, nem sei direito. Acho que não. Isso não
foi idéia nossa, a gravadora propôs e nós achamos
que seria uma boa idéia, mais como uma provocação.
Aí arranjamos dois caras, acho que mexicanos, para trabalhar na
faixa. Sabe como é, esse negócio de botar um DJ para mexer
na sua música costuma dar em coisas muito esquisitas e pouco legais.
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Você acha que os sons eletrônicos e os DJs vão mesmo
ditar o futuro da música?
(Risos) Não. Sempre vai haver gente fazendo música com guitarras,
violão, instrumento de verdade. A música eletrônica
é o futuro da música eletrônica.
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No começo da carreira, você costumava compor músicas
políticas em cima de temas específicos, como "Tehran"
(de 1989, um ano depois que os EUA abateram por engano um avião
comercial iraniano com mais de 290 passageiros). Algum assunto da política
mundial inspiraria atualmente?
Bem, eu poderia fazer uma música sobre... Não, eu não
precisaria fazer. É só trocar "Tehran" por "Kosovo".
(Cantando) "Ko-so-vo, ko-so-vo, ko-so-vo". Ou essa ou "Bagdad".
A verdade é que provavelmente daqui a dez anos ninguém vai
se lembrar de Kosovo e a música perde o sentido. E hoje minhas
letras são mais comentários sociais.
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Os Beastie Boys, que você costuma mencionar como um dos seus grupos
favoritos, mudaram as letras de algumas de suas músicas antigas,
revisando-as em versões politicamente corretas. O que você
acha disso?
Bom, eu não posso falar por eles. Mas se tem uma coisa que faríamos
é mudar o que dizemos nas músicas, por mais antigas e embaraçosas
que possam parecer. E politicamente correto, concordamos todos, é
algo que o Offspring jamais vai ser, odeio isso. Sem ofensa aos Beastie
Boys (risos). Eu gosto deles e de muita coisa hip-hop.
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O Offspring andou sendo saudado nos Estados Unidos e na Europa por ter
trazido de volta o rock ao topo das paradas de sucesso. O que você
acha disso?
Bom, eu não gosto muito dessa história, não. Mas
maior besteira ainda é achar que o rock anda ameaçado de
extinção, que vai acabar ou está esgotado, morto,
reduzido, a um pequeno gueto. O rock’ n’ roll existe
há mais de quarenta anos... Pode não ser sempre o gênero
mais popular, pode vender menos, ser considerado menos in, mas vai
continuar subindo e descendo, sempre ali... O hip-hop realmente hoje é
muito forte nos Estados Unidos, mas existem muitas bandas de rock boas
e populares. Eu sou fã de Foo Fighters, Rob Zombie e Korn. Essas
falsas polêmicas, categorizações, isso é papo
para vender revista, ganhar audiência, isso tudo é m... estratégica
para alguém ganhar dinheiro.
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Se o Offspring fosse colocado como banda que está levando o punk
a alturas inéditas, faria diferença para você?
Não queremos ser vinculados a nenhuma bandeira, seja do rock&
roll ou do punk rock. Longe de mim querer fazer a cabeça das pessoas.
O legal do sucesso de Americana é conseguir mostrar para um público
maior um tipo de música diferente.
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Independentemente de gêneros ou rótulos, vocês vieram
com músicas inteligentes e irônicas e ocuparam um espaço
que vinha sendo dominado por pop pré-fabricado e rappers glamourizando
a violência...
Muito obrigado pelo inteligentes". É isso aí (risos).
Não precisa mais nem fazer a pergunta (risos).
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(Risos) Você disse há alguns anos que, se tivesse que trabalhar
num emprego convencional durante muito tempo, iria acabar se matando.
(Risos) É verdade, eu não me conformaria passando anos num
emprego das 9 às 5. Mas não é bem assim, foi só
força de expressão. Iria ser bem ruim, mas eu jamais me
suicidaria.
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O que você acha de bandas punk como Eve6, que assinam bons contratos
com gravadoras quando seus integrantes ainda estão no ginásio?
Essas coisas são subjetivas, mas não dá para comparar
com outras gerações que passaram pelos perrengues que a
gente conhece. É diferente, não pode ser verdadeiro do mesmo
jeito.
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No diário da turnê que está na Internet, Noodles recomenda
bastante a fita demo da banda Go, em que Brett (Gurewitz, ex- guitarrista
do Bad Religion, dono da Epitaph e ex- inimigo da banda) toca...
Ah, sim, você quer dizer a banda de Jack Grisham (ex- TSOL, banda
pioneira do punk californiano). Olha, para mim isso é história
antiga, são águas passadas. Se ele tem algum problema com
a gente, não importa. Somos felizes hoje, esquecemos tudo e queremos
que Brett também seja feliz.
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Como andam as relações de vocês com o brasileiro Morris
Albert, autor de "Feelings"?
Ele processou a gente. Ou melhor, ele pediu uma grana, tivemos de fazer
um acordo com ele.
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Quanto ele pediu?
Oh, Deus! Não sei dizer... Sei que era uma grana violenta. Ele
já iria receber pela gravação, mas quis complicar.
Prefiro nem me envolver, para não desenvolver sentimentos de ódio
por Morris Albert (risos).
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Existe alguma chance de essa versão ganhar um videoclipe?
Puxa, eu adoraria, mas acho que só se for um vídeo caseiro
(risos). Um clipe oficial é impossível. Essa música
jamais seria escolhida para single. Os radialistas daqui não tem
capacidade para entender a ironia, nunca tocariam uma música com
tanto "ódio" na letra. Mesmo sendo um "ódio"
com "Feelings".
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Você tem 32 anos e é pai de família. Como você
compensa a ausência durante as turnês?
Sempre esquematizamos tudo no sentido de não passar mais de três
semanas longe de casa. Às vezes a coisa passa um pouco disso, mas
procuro ter uma convivência intensa e valorizar os momentos com
minha filha de 12 anos.
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E qual é o tipo de música que ela gosta de ouvir?
(Risos) Backstreet Boys. Parece piada, mas não é.
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É por isso que você odeia tanto os Backstreet Boys (nos shows,
Dexter costuma insuflar proclamando seu desapreço pelo grupo)?
(Risos) Eu tenho que ouvir essas coisas em casa (risos). Mas na verdade
não odeio os Backstreet Boys. Eles são bonitinhos.
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Como foi a sessão de fotos na Trafalgar Square, em Londres (feita
originalmente para o jornal Melody Maker)? É verdade que os pombos
fizeram cocô em um integrante da banda?
(Risos) Sim, a vítima foi Ron Welty. Foi engraçado, mas
estava muito frio e eu não gosto muito de sessão de fotos.
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Mas você fez um ensaio há pouco tempo para a capa de revista
americana Spin. Com produção de moda, cabelo e tudo...
Cabelo, não! Eu só taquei um pouco de gel. Aliás,
eu não gostei nada do fundo rosa que botaram atrás de mim...
A cor foi mudada depois e já me sacanearam muito por causa disso
(risos).
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